segunda-feira, 28 de julho de 2014

Sabine Baring-Gold e o lobisomem

 Boa noite queridos leitores, A postagem que vos trago esta noite, foi enviada pelo grande leitor e membro da alcateia, Alisson Barcelos. Então sem mais, divirtam-se!



Dizer dos motivos que nos levam, às vezes, a ações, paixões ou buscas incessantes, ser nos é, talvez, impossível. Dilucidar de que modo ou por qual motivo algo nos incita curiosidade, medo ou até fascínio, mostra-se um exercício impiedoso e árduo; fato é que algumas coisas, por razões incompreensíveis, talvez a nós mesmos, têm tal poder de nos levar a seus confins, onde buscamos esclarecer seus mistérios arrevesados, ou talvez esclarecermos a nós mesmos, o nosso próprio eu, aos nossos próprios instintos e ao porque de nossa tão engendrada curiosidade.
   Há cerca de um ano, talvez, acabara, eu, de assistir a uma temporada do seriado Teen Wolf e, já muito extasiado, resolvera procurar mais sobre o assunto na internet; após vaguear sem propósito resolvido acabei por encontrar o site Jovem Lobo, ao qual dediquei um bom tempo à sua leitura. Não havia me dado conta, até então, de o quão fascinante o assunto me perecia. Lancei-me, à época, a uma “pesquisa” como quem fosse tornar-se um dia um especialista, um explorador e autoridade no assunto; após ler e reler artigos publicados, comprar e ler livros sobre Lobisomens resolvi especular a mim mesmo o porquê de este, e quase somente este tipo de lenda, chamar-me tanto a atenção.
Deitado à minha cama revolvi meu próprio passado a procura de respostas, fatos os quais explicassem esta desperta paixão; súbito, emergiram à minha mente lembranças de minha infância à casa de meu já falecido avô, quem, munido de um cigarro de palha, por ele enrolado, e um bom e quente café, contava-nos, a mim, meus pais, tios e irmãos,  histórias que, segundo ele, muitas delas haviam sucedido com ele próprio. A propósito de esclarecimento, sou nascido e criado, assim como toda a minha família, a uma pequena cidade no interior do estado de Goiás, ao leitor mais ávido não será difícil propor que meu contato com essas histórias tenha sido demasiado, e de fato o foi; histórias de lobisomem, mula sem cabeça, assombração, estiveram presentes nas rodas de conversa entre meus parentes mais velhos desde que consigo me lembrar e o arrepio que se me subia a espinha ao ouvir meu avô divagar sobre suas andanças, quando jovem, a pé, a cavalo ou de bicicleta pelas fazendas do município nas quais trabalhara, incontestavelmente, lançou-me, ao mais profundo de meu inconsciente, uma série de questões as quais, hoje, podem me ser a razão desta paixão.
   Enquanto especulava minha própria curiosidade e fascínio por lobisomens, continuei minha busca por histórias, documentos, acontecimentos, etc., e encontrei com uma das mais(senão a mais) importantes obras sobre o assunto, O livro dos Lobisomens de Sabine Baring-Gold.
   O reverendo Sabine Baring-Gold foi um, romancista, pesquisador, hagiógrafo e antiquário britânico que viveu entre os séculos XIX e XX, e em seu, O livro dos lobisomens, estão reunidos seu material coletado após anos de pesquisa.Apesar de procurar a face “científica” dos relatos de metamorfose humana em lobo/ou lobisomem, em seu livro estão presentes inúmeras lendas, algumas muito antigas remontando tempos anteriores às civilizações.
   Entre as inúmeras e intrigantes histórias chamou-me a atenção o que Sabine relata já em sua introdução. O evento, por ele vivido e contado, foi, segundo ele, sua apresentação aos lobisomens e o motivo pelo qual resolvera investigar estas histórias que a muitos fascinam e que estão presentes no mundo inteiro.

Segue, abaixo, a introdução de O livro dos lobisomens da edição brasileira de 2008, pela editora Aleph, traduzido por Ronald Kyrmse.


Jamais me esquecerei da caminhada que fiz certa noite em Vienne, depois de completar o exame de uma desconhecida relíquia druídica, a Pierre Labie, em La Rondelle, perto de Champigni. Eu ficara sabendo da existência dessecromlech* naquela tarde, ao chegar em Champigni, e parti para visitá-la sem calcular o tempo que gastaria em chegar lá e retornar. Basta dizer que descobri o venerável amontoado de pedras quando o Sol estava se pondo, e que consumi as últimas luzes do entardecer fazendo planos e esboços. Comecei então a retornar. A caminhada de umas dez milhas cansara-me, pois era o fim de uma longa jornada, e eu machucara a perna subindo em algumas pedras a caminho da relíquia gaulesa.
   Havia um pequeno vilarejo não longe dali, para onde dirigi meus passos, na esperança de alugar uma “aranha”** que me conduzisse à estação do correio; fiquei frustrado...
Poucas pessoas do lugar sabiam falar francês, e o padre, quando apelei para ele, assegurou-me de que não havia no lugarejo melhor veículo que uma charrua comum, com sólidas rodas de madeira; nem havia possibilidade de conseguir um cavalo. O bom homem propôs hospedar-me naquela noite; mas fui forçado a declinar do convite, porque minha família pretendia partir cedo na manhã seguinte.
Então manifestou-se o prefeito:
– De forma nenhuma monsieur pode voltar hoje à noite, atravessando os baixios, por causa do... do... – e sua voz foi abaixando... – os loups-garoux.
– Ele diz que precisa voltar! – retrucou o padre em dialeto. – Mas quem irá com ele?
– Ah, há! M. leCuré. Está muito bem um de nós acompanhá-lo, mas pensa como será voltar sozinho!
– Então dois terão de ir com ele – disse o padre –, e vocês poderão cuidar um do outro ao retornarem.
– Picou me disse que viu o lobisomem há apenas uma semana – falou um camponês –; estava em seu campo de trigo-mouro. O Sol já tinha se posto e ele pensava em ir para casa, quando ouviu um farfalhar do outro lado da sebe. Olhou por cima dela, e lá estava o lobo, do tamanho de um bezerro, diante do horizonte, a língua de fora e os olhos reluzentes como fogos do pântano. MonDieu! Me pega atravessando o pântano hoje à noite. Ora, o que dois homens poderiam fazer se fossem atacados por esse lobo demoníaco?
– É tentar a providência – disse um dos anciãos da aldeia –; ninguém pode esperar a ajuda de Deus se se lançar voluntariamente ao perigo. Não é assim, M. leCuré? Ouvi-o dizer isso mesmo no púlpito, no primeiro domingo da quaresma, pregando o Evangelho.
– Isso é verdade – observaram várias testemunhas, balançando as cabeças.
– De língua de fora, e de olhos reluzentes como fogos do pântano!
– disse o confidente de Picou.
MonDieu! Se eu encontrasse o monstro, haveria de correr – disse outro.
– Bem creio,Cortrez; posso assegurar que você correria – disse o prefeito.
– Do tamanho de um bezerro – acrescentou o amigo de Picou.
– Se o loup-garou fosse tão-somente um lobo natural, ora, então, sabe...
– o prefeito pigarreou –, sabe que não lhe daríamos importância. Mas, M.
leCuré, é um demônio, pior que um demônio, um demônio humano... pior que um demônio humano, um homem-lobo demoníaco.
– Mas o que fará o jovem monsieur? – perguntou o padre, olhando de um para outro.

* Monumento pré-histórico, composto de menires em círculo ou elipse. [n. do t.]
** Carruagem de pequeno porte, de duas rodas, puxada por um cavalo. [n. do t.]

– Não se preocupem – disse eu, que escutava tranquilamente a conversa em dialeto que compreendia. – Não se preocupem; caminharei de volta sozinho, e se encontrar o loup-garou cortarei suas orelhas e seu rabo e os enviarei a M. le Maire com meus cumprimentos.
Um suspiro de alívio do grupo, que se via livre da dificuldade.
Il est anglais – disse o prefeito, balançando a cabeça como se quisesse dizer que um inglês enfrentaria impune o diabo.
O pântano era um baixio melancólico, de aspecto bastante desolador durante o dia, mas agora, ao crepúsculo, era dez vezes mais desolador. O céu, de um suave tom cinza-azulado, estava absolutamente limpo. Nele jazia a lua nova, com uma curva de parca luz aproximando-se da sua base ocidental. O pântano estendia-se até o horizonte, enegrecido por poças de água estagnada, de onde os sapos trilhavam incessantemente na noite de verão. Urzes e samambaias cobriam o solo, mas perto da água cresciam densas massas de íris e juncos, contra as quais o vento fraco sussurrava sua voz enfadonha. Cá e lá havia montículos arenosos, encimados por abetos, como salpicos negros diante do céu cinzento; não havia sinal de habitação em lugar nenhum; o único vestígio humano era a estrada, branca e reta, estendendo-se por milhas através do brejo.
Não era improvável que aquele distrito abrigasse lobos, e confesso que me armei com um pedaço de pau reforçado tirado ao primeiro arvoredo que a estrada atravessou.
Essa foi minha apresentação aos lobisomens, e, diante de superstição ainda tão viva, me lancei à investigação da história e dos hábitos dessas míticas criaturas.
Preciso confessar que não tive o mínimo sucesso em obter um espécime do animal, mas encontrei seus vestígios em todas as direções; e exatamente como os paleontólogos montaram o labirintodonte a partir de suas pegadas na marga e de uma lasca de seu osso, talvez eu também possa descrevê-lo, apesar de não tê-lo vivo diante de mim.

Alisson Barcelos 30/05/2014

2 comentários:

  1. lol muito massa tive novas ideas para meu livro

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  2. Valeu Alex! Obrigado por publicar meu texto. e só pra constar, adorei a imagem que você utilizou, acho essas imagens que você coloca nas postagens incríveis. parabéns pelo blog.

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