Boa noite queridos leitores, A postagem que vos trago esta noite, foi enviada pelo grande leitor e membro da alcateia, Alisson
Barcelos. Então sem mais, divirtam-se!
Dizer dos motivos que nos
levam, às vezes, a ações, paixões ou buscas incessantes, ser nos é, talvez,
impossível. Dilucidar de que modo ou por qual motivo algo nos incita
curiosidade, medo ou até fascínio, mostra-se um exercício impiedoso e árduo;
fato é que algumas coisas, por razões incompreensíveis, talvez a nós mesmos, têm
tal poder de nos levar a seus confins, onde buscamos esclarecer seus mistérios
arrevesados, ou talvez esclarecermos a nós mesmos, o nosso próprio eu, aos
nossos próprios instintos e ao porque de nossa tão engendrada curiosidade.
Há cerca de um ano, talvez, acabara, eu, de
assistir a uma temporada do seriado Teen Wolf e, já muito extasiado, resolvera
procurar mais sobre o assunto na internet; após vaguear sem propósito resolvido
acabei por encontrar o site Jovem Lobo, ao qual dediquei um bom tempo à sua
leitura. Não havia me dado conta, até então, de o quão fascinante o assunto me
perecia. Lancei-me, à época, a uma “pesquisa” como quem fosse tornar-se um dia
um especialista, um explorador e autoridade no assunto; após ler e reler
artigos publicados, comprar e ler livros sobre Lobisomens resolvi especular a
mim mesmo o porquê de este, e quase somente este tipo de lenda, chamar-me tanto
a atenção.
Deitado à minha cama revolvi
meu próprio passado a procura de respostas, fatos os quais explicassem esta
desperta paixão; súbito, emergiram à minha mente lembranças de minha infância à
casa de meu já falecido avô, quem, munido de um cigarro de palha, por ele
enrolado, e um bom e quente café, contava-nos, a mim, meus pais, tios e irmãos,
histórias que, segundo ele, muitas delas
haviam sucedido com ele próprio. A propósito de esclarecimento, sou nascido e
criado, assim como toda a minha família, a uma pequena cidade no interior do
estado de Goiás, ao leitor mais ávido não será difícil propor que meu contato
com essas histórias tenha sido demasiado, e de fato o foi; histórias de
lobisomem, mula sem cabeça, assombração, estiveram presentes nas rodas de
conversa entre meus parentes mais velhos desde que consigo me lembrar e o
arrepio que se me subia a espinha ao ouvir meu avô divagar sobre suas andanças,
quando jovem, a pé, a cavalo ou de bicicleta pelas fazendas do município nas
quais trabalhara, incontestavelmente, lançou-me, ao mais profundo de meu inconsciente,
uma série de questões as quais, hoje, podem me ser a razão desta paixão.
Enquanto especulava minha própria
curiosidade e fascínio por lobisomens, continuei minha busca por histórias,
documentos, acontecimentos, etc., e encontrei com uma das mais(senão a mais)
importantes obras sobre o assunto, O livro dos Lobisomens de Sabine Baring-Gold.
O reverendo Sabine Baring-Gold foi um,
romancista, pesquisador, hagiógrafo e antiquário britânico que viveu entre os
séculos XIX e XX, e em seu, O livro dos lobisomens, estão reunidos seu material
coletado após anos de pesquisa.Apesar de procurar a face “científica” dos
relatos de metamorfose humana em lobo/ou lobisomem, em seu livro estão
presentes inúmeras lendas, algumas muito antigas remontando tempos anteriores
às civilizações.
Entre as inúmeras e intrigantes histórias
chamou-me a atenção o que Sabine relata já em sua introdução. O evento, por ele
vivido e contado, foi, segundo ele, sua apresentação aos lobisomens e o motivo
pelo qual resolvera investigar estas histórias que a muitos fascinam e que estão
presentes no mundo inteiro.
Segue, abaixo, a introdução de O livro dos lobisomens da
edição brasileira de 2008, pela editora Aleph, traduzido por Ronald Kyrmse.
Jamais me esquecerei da
caminhada que fiz certa noite em Vienne, depois de completar o exame de uma desconhecida
relíquia druídica, a Pierre Labie, em La Rondelle, perto de Champigni. Eu ficara
sabendo da existência dessecromlech* naquela tarde, ao chegar em Champigni, e
parti para visitá-la sem calcular o tempo que gastaria em chegar lá e retornar.
Basta dizer que descobri o venerável amontoado de pedras quando o Sol estava se
pondo, e que consumi as últimas luzes do entardecer fazendo planos e esboços. Comecei
então a retornar. A caminhada de umas dez milhas cansara-me, pois era o fim de
uma longa jornada, e eu machucara a perna subindo em algumas pedras a caminho
da relíquia gaulesa.
Havia um pequeno vilarejo não longe dali,
para onde dirigi meus passos, na esperança de alugar uma “aranha”** que me
conduzisse à estação do correio; fiquei frustrado...
Poucas pessoas do lugar
sabiam falar francês, e o padre, quando apelei para ele, assegurou-me de que
não havia no lugarejo melhor veículo que uma charrua comum, com sólidas rodas
de madeira; nem havia possibilidade de conseguir um cavalo. O bom homem propôs hospedar-me
naquela noite; mas fui forçado a declinar do convite, porque minha família
pretendia partir cedo na manhã seguinte.
Então manifestou-se o
prefeito:
– De forma nenhuma monsieur
pode voltar hoje à noite, atravessando os baixios, por causa do... do... – e sua
voz foi abaixando... – os loups-garoux.
– Ele diz que precisa
voltar! – retrucou o padre em dialeto. – Mas quem irá com ele?
– Ah, há! M. leCuré. Está muito bem um de nós acompanhá-lo,
mas pensa como será voltar sozinho!
– Então dois terão de ir com
ele – disse o padre –, e vocês poderão cuidar um do outro ao retornarem.
– Picou me disse que viu o lobisomem
há apenas uma semana – falou um camponês –; estava em seu campo de trigo-mouro.
O Sol já tinha se posto e ele pensava em ir para casa, quando ouviu um
farfalhar do outro lado da sebe. Olhou por cima dela, e lá estava o lobo, do tamanho
de um bezerro, diante do horizonte, a língua de fora e os olhos reluzentes como
fogos do pântano. MonDieu! Me pega
atravessando o pântano hoje à noite. Ora, o que dois homens poderiam fazer se
fossem atacados por esse lobo demoníaco?
– É tentar a providência –
disse um dos anciãos da aldeia –; ninguém pode esperar a ajuda de Deus se se
lançar voluntariamente ao perigo. Não é assim, M. leCuré? Ouvi-o dizer isso mesmo no púlpito, no primeiro domingo
da quaresma, pregando o Evangelho.
– Isso é verdade –
observaram várias testemunhas, balançando as cabeças.
– De língua de fora, e de
olhos reluzentes como fogos do pântano!
– disse o confidente de
Picou.
– MonDieu! Se eu encontrasse o monstro, haveria de correr – disse outro.
– Bem creio,Cortrez; posso
assegurar que você correria – disse o prefeito.
– Do tamanho de um bezerro –
acrescentou o amigo de Picou.
– Se o loup-garou fosse tão-somente um lobo natural, ora, então, sabe...
– o prefeito pigarreou –,
sabe que não lhe daríamos importância. Mas, M.
leCuré, é um demônio, pior que um demônio, um demônio humano... pior
que um demônio humano, um homem-lobo demoníaco.
– Mas o que fará o jovem
monsieur? – perguntou o padre, olhando de um para outro.
* Monumento
pré-histórico, composto de menires em círculo ou elipse. [n. do t.]
**
Carruagem de pequeno porte, de duas rodas, puxada por um cavalo. [n. do t.]
– Não se preocupem – disse
eu, que escutava tranquilamente a conversa em dialeto que compreendia. – Não se
preocupem; caminharei de volta sozinho, e se encontrar o loup-garou cortarei suas orelhas e seu rabo e os enviarei a M. le Maire com meus cumprimentos.
Um suspiro de alívio do
grupo, que se via livre da dificuldade.
– Il est anglais – disse o prefeito, balançando a cabeça como se quisesse
dizer que um inglês enfrentaria impune o diabo.
O pântano era um baixio
melancólico, de aspecto bastante desolador durante o dia, mas agora, ao
crepúsculo, era dez vezes mais desolador. O céu, de um suave tom cinza-azulado,
estava absolutamente limpo. Nele jazia a lua nova, com uma curva de parca luz
aproximando-se da sua base ocidental. O pântano estendia-se até o horizonte,
enegrecido por poças de água estagnada, de onde os sapos trilhavam
incessantemente na noite de verão. Urzes e samambaias cobriam o solo, mas perto
da água cresciam densas massas de íris e juncos, contra as quais o vento fraco
sussurrava sua voz enfadonha. Cá e lá havia montículos arenosos, encimados por
abetos, como salpicos negros diante do céu cinzento; não havia sinal de
habitação em lugar nenhum; o único vestígio humano era a estrada, branca e
reta, estendendo-se por milhas através do brejo.
Não era improvável que
aquele distrito abrigasse lobos, e confesso que me armei com um pedaço de pau
reforçado tirado ao primeiro arvoredo que a estrada atravessou.
Essa foi minha apresentação
aos lobisomens, e, diante de superstição ainda tão viva, me lancei à
investigação da história e dos hábitos dessas míticas criaturas.
Preciso confessar que não
tive o mínimo sucesso em obter um espécime do animal, mas encontrei seus vestígios
em todas as direções; e exatamente como os paleontólogos montaram o
labirintodonte a partir de suas pegadas na marga e de uma lasca de seu osso,
talvez eu também possa descrevê-lo, apesar de não tê-lo vivo diante de mim.
Alisson
Barcelos 30/05/2014